Pedrogão Grande || EU TAMBÉM TENHO ALGO A DIZER - Devaneios de uma Mulher quase Casada

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Pedrogão Grande || EU TAMBÉM TENHO ALGO A DIZER



2 dias. 

Foi tempo suficiente para pôr Portugal de olhos postos no centro. Foi tempo suficiente para deixar a história portuguesa marcada. Tempo esse no qual dezenas e dezenas de pessoas perderam um pai, um filho, um amigo. Um cenário triste que tocou nos corações de muitos.
Moro no centro da cidade de Leiria, "longe" da confusão. Mas a cidade está de luto. Tudo nesta cidade é triste, por ver o interior do distrito, uma das áreas mais bonitas, a ser arrasada em horas, minutos. Muitos de nós conheciam a zona. Muitos de nós estiveram lá e sabem a beleza que aquela zona oferece. Muitos conhecem a humildade das gerações mais velhas que lá vivem.

São 9 da manhã e a cidade está cinzenta. Não há um pedaço de céu azul e as notícias do calor que se vai sentir hoje chegam a ser questionadas. Tudo porque aqui chove, cai granizo e troveja fortemente, ainda que se sinta um tempo abafado. Nunca vi trovoada ou tempo igual. O mundo parece que vai acabar neste tão pacato distrito que é Leiria. Aqui não se vive o desespero que se vive no Pedrógão Grande, mas sente-se. Não fui capaz de ficar indiferente, acho que neste momento ninguém é capaz disso.
Hoje dirigi-me à escola de Pombal para levar roupa e sapatos que já não usava tão frequentemente. Tenho a certeza que farão a diferença na vida de alguém que perdeu tudo. Alguém que neste momento precisa bastante mais que eu. E sei que tal como eu ajudei muitos ajudaram, e só vos agradeço por isso. Porque de há uns tempos para cá comecei a perder pedacinho a pedacinho a fé num mundo melhor. Achava que tínhamos vindo a olhar cada vez mais para o nosso umbigo sem nos preocuparmos com quem nos rodeia. Hoje vi que se calhar, tal como eu, muitos perderam também a sua fé na humanidade. Mas ainda assim, tal como eu, decidiram ajudar estas pessoas que perderam tudo. Dei por mim na sala daquela escola rodeada de sacos, sacos e sacos. Sacos com roupa, sapatos, toalhas, colchas, lençóis. E senti-me feliz. Se calhar estamos desiludidos com todos os acontecimentos que se têm dado nos últimos tempos, mas ainda assim restam pessoas boas, humildes. E é por isso que vos agradeço. Porque restauraram um pedacinho da fé na humanidade que já tinha perdido.

Mas nem tudo é bom.
Num contexto em que a humildade de muitos reina, existe também um sentimento de desconfiança e medo. Medo de que estejamos a ajudar alguém que na verdade nunca vai fazer chegar essa ajuda a quem relamente precisa. Medo de que no meio de tanta gente com bom coração, exista alguém que se aproveita disso para proveito pessoal. É triste pensar assim, eu sei. Mas quantas pessoas beneficiam com este tipo de tragédias? O governo, as associações ditas "humanitárias", que no seu currículo trazem um belo cadastro por desviar os fundos dos seus destinatários, entre muitos outros. E nós seguimos assim, confiando mas desconfiando. E isso é triste.
E por falar em triste falo também na Judite de Sousa, alguém que me veio desapontar profundamente.
Estou num curso onde sou frequentemente "bombardeada" com o código deontológico do jornalista, de modo a saber distinguir o certo do errado no ato de informar. Muitas das regras confundem-se com regras morais, de educação ou o que lhe quiserem chamar. Mas a Judite de Sousa quebrou todas essas regras ao emitir em direto imagens de um corpo queimado coberto por um lençol.
Uma pessoa. Queimada. Coberta por um lençol.
Isto é errado de todos os pontos de vista reais e imaginários. E posso enumerá-los:




"2. O jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas e o plágio como graves faltas profissionais.

5. O jornalista deve assumir a responsabilidade por todos os seus trabalhos e atos profissionais, assim como promover a pronta retificação das informações que se revelem inexata ou falsas. O jornalista deve também recusar atos que violentem a sua consciência.

7. O jornalista deve salvaguardar a presunção de inocência dos arguidos até a sentença transitar em julgado. O jornalista não deve identificar, direta ou indiretamente, as vítimas de crimes sexuais e os delinquentes menores de idade, assim como deve proibir-se de humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor.
9. O jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos exceto quando estiver em causa o interesse público ou a conduta do indivíduo contradiga, manifestamente, valores e princípios que publicamente defende. O jornalista obriga-se, antes de recolher declarações e imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas.
 
10. O jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios suscetíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional."

E leio comentários como "ela só fez o que lhe mandaram" ou "está a fazer o que tem de fazer". Um jornalista não é uma máquina. Um jornalista sabe pensar e consegue sentir. Pode dizer que não. A Judite perdeu um filho e viu a sua intimidade ser abalroada pelas revistas de todas as cores.
Só pergunto: Judite, depois de tudo o que aconteceu com o seu filho, como é capaz? Podia ter feito o seu trabalho sem chegar a este ponto.
E é nestas alturas que eu tenho medo de ser jornalista. Medo de errar, de magoar alguém desta maneira tão dura e tão exposta. 

E tudo isto se deu em 2 dias.O tempo suficiente para mudar a vida de uns e tirar a vida a outros. Um cenário triste que tocou nos corações de muitos, mas que infelizmente passou ao lado de outros. 
Moro no centro de Leiria, "longe" da confusão. Mas a cidade está de luto, e tudo na minha cidade é triste.

Paula Moreira Santos

2 comentários:

  1. Fartei-me de chorar ontem ao ver a nossa terra assim, pensar o que poderão ter sentido aquelas pessoas que estavam no sítio errado à hora errada, o como morreram e a dor que devem ter sentido e deixaram cá... Ainda hoje estive a olhar para fotos lindíssimas que tenho do Pedrógão, como é que desapareceu tudo???....
    Não consigo ficar indiferente a isto e gostava tanto de poder ajudar mais... hoje deixei 10euros em comida, água e comprensas na minha universidade, só espero que chegue tudo a quem precisa, porque de facto nunca sabemos para onde as coisas vão...
    Beijo grande!

    Patsilvarte Patsilvarte

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  2. Senti cada sua palavra..moro no centro da Leiria e o inferno e sofrimento não mais de uma hora daqui se,sente a cada passo e cada respiro.... Muita tristeza, muita

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